domingo, 1 de junho de 2014

Eu ouço Série C no rádio!

Desconfio seriamente de quem só aprecia futebol de times grandes, de campeonatos célebres, envolvendo craques espetaculares. Claro que é muito mais excitante curtir um Real Madri x Barcelona do que amargar um Maga x Navegantes. Mas quem nunca experimentou um Maga x Navegantes, não saberá o exato sabor de Real Madri x Barcelona. Isso eu garanto. Aí reside a desconfiança... O sujeito - não o sujeito da postagem anterior, dos fusos horários, mas pode ser ele também -, que só lhe dá o direito de comer a nata, nunca saberá o real valor da raspinha da panela. Portanto, para saborear melhor um grande clássico, permita aos seus olhos um sabugo qualquer. E se você pensa que não tem nada muito ao seu alcance que possa aproximar-se da raspa, ligue a Rede Vida, dê mais audiência àqueles guerreiros e assista com o sangue bom Luiz Carlos Fabrini e sua turma um Tanabi x Inter de Bebedouro. Já vai lhe ajudar bastante...

Ocorre que na noite deste sábado ouvi São Caetano 1x2 Juventude. Jogo da Série C do Brasileiro. Volto uma década no tempo e lembro que esses dois foram perigosos times de Série A. Beliscavam, incomodavam. O Azulão foi bi-vice-campeão brasileiro. O Juventude tem na galeria a mesma façanha do Criciúma, uma Copa do Brasil. E o Juventude desabou em Criciúma, lembram? Última rodada da primeira fase da Série C de 2010, aquela mesma na qual o Tigre subiu desbancando o Macaé e desfilando craques como Fábio Santana, Nino, Mika e outros mais... (diga-me, agora com esta lembrança você dá mais valor para Eduardo, Escudero e Serginho, não? Melhorou hein... é o doce sabor que a nata tem quando sabemos a exata proporção da rapa do tacho, meu querido).

Enquanto eu ouvia o simpático e competente Gilberto Júnior narrar na Rádio Caxias um jogo que,
evidentemente, estava ruim, viajei no tempo. Voltei àquele domingo trágico para o Juventude no qual um empate no Heriberto Hülse contrastou com a festa reinante. A torcida do Criciúma carregava milhares de faixas "Vamos subir, Tigre" e estava a dois jogos do acesso. O Juventude pisava o inferno, o calabouço da Série D, de onde só sairia em 2013. Minha memória, enquanto o Giba narrava o 1 a 0 do Ju no vazio e fantasmagórico Anacleto Campanella, me levou ao goleiro do Juventude esparramado no gramado ruim do HH, chorando o descenso para a quarta divisão. E de imediato saltei a 1999, lembrando aquele insinuante e mágico Juventude campeão do Brasil, repetindo a conquista do Criciúma de oito anos antes. No caso do Ju, a taça foi erguida em pleno Maracanã lotado por 100 mil botafoguenses. Quem diz que o Botafogo não tem torcida...

Aí, de novo, o sabor da nata e da raspa. Amargou ainda mais naquele goleiro, e naqueles outros que viveram o terror do rebaixamento em Criciúma, ao recordar que uma década antes aquele clube bordava na sua camisa uma estrela dourada, a acusar que entrara na seleta galeria dos campeões do Brasil. A comparação dos sabores tornava ainda mais azedo o resultado final. E mais intenso. Logo, outra prova cabal de que a crueldade do futebol, com suas experiências de céu e inferno, é que confere densidade ao analista. Surfar somente na deliciosa onda do tapete de Wembley, sem nunca ter posto a sola do sapato no Mário Balsini ou no Operários Mafrenses, limita o apaixonado, e não há nada mais brochante para uma paixão que a limitação...!

Eu ainda terminava de viajar nesta memória quando a Caxias levou ao ar o grito comedido do Gilberto
Júnior. Era o empate do São Caetano, dez minutos depois do gol do Rogerinho. Lembrei da tristeza daqueles torcedores que, vestindo verde, numa tarde fria e ensolarada, ocuparam imponentes o setor dos visitantes do Heriberto Hülse, sonhando com o milagre. Tanto eles sabiam que a missão era hercúlea, o time do Juventude era fraco e predestinado a cair, que eles se limitaram a aplaudir. O classificado Criciúma, prestes a subir, o rebaixado Juventude, cujas bandeiras ainda assim tremulavam. Um lapso político invadiu a memória para ilustrar o momento. Fernando Henrique Cardoso conta que, certo dia, perdida uma eleição, foi procurado pelo velho Leonel Brizola que o disse: não existe vitória sem derrota, e uma derrota bem perdida ensina mais que uma vitória mal conquistada!

Aí um cara chamado Cassiano - não aquele nulo de gols que passou pelo Tigre e ganhou sinônimos nada amistosos no meio da galera -, quebrou o gelo das ideias de novo. Foi dele o gol que arrancou do Gilberto o grito que sacudiu os verdes na noite do sábado, muitos dos que estiveram em Criciúma ou pelo rádio, na sua Caxias do Sul, choraram naquele descenso. Essa vitória de fase inicial de Série C tem outro sabor para eles. Sabor de quem já foi grande, está pequeno, carafunchou na raspa do tacho e quer se lambuzar de novo na nata. Que os deuses do futebol os ajudem. O Criciúma viveu tudo isso, e fez por merecer. Afinal, é melhor uma vitória bem conquistada após uma derrota bem assimilada. E um salve a quem ama o futebol, independente de divisão, status e sabor da raspa. Estes, aprendem!

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